segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Do fim: banal e inevitável - Parte I


  Acordou morrendo de sede depois de um sonho estranho. Levou alguns segundos para assimilar o lugar onde estava e logo a noite passada veio à sua cabeça junto com um latejo de dor. Olhou para o corpo inerte do homem ao seu lado na cama, Adam, que havia conhecido na festa de ontem, dormia profundamente e roncava baixinho.
   Sentou-se na beirada da cama e vestiu a mesma camiseta branca com um desenho em preto que usara na noite passada. Pegou o maço de cigarros de filtro vermelho, pensativa. Era estranho poder fumar sem a culpa de que aquilo poderia matá-la.  Virou o rótulo do maço e viu a imagem de um feto abortado junto com um monte de cinzas de cigarro e uma legenda “Vítima deste produto”. Aquilo era tragicamente cômico. Eu nunca vou ter filhos.

   Levou os dedos indicador e médio da mão esquerda ao seio direito e apertou o nódulo. Estava dolorido e era um pouco maior que uma bola de gude. Levantou-se e foi ao banheiro, lavou o rosto com aquela água fria, tentando lembrar em que bairro ficava o apartamento em que estava. Voltou pro quarto e vestiu-se evitando fazer barulho. A última coisa que queria era passar pela situação constrangedora de ter que dar bom dia ao estranho com quem fez sexo a poucas horas. Calçou as botas e prendeu o cabelo despenteado bem alto num rabo de cavalo.
   A caminho da geladeira, onde pegou uma garrafa de água, encontrou a sua jaqueta de couro no chão da sala. Deu uma olhada na estante de livros do Adam e concluiu que ele deveria ser um cara muito legal. Ele tinha um acervo com livros de todos os autores beats que ela conhecia.
   Viu-se pensando que não seria tão ruim assim se ele acordasse e a convidasse para tomar um café. A consciência daquele desejo a fez sentir como uma garota estúpida de catorze anos. Ele provavelmente nem vai lembrar o meu nome quando acordar. Percebeu que estava demorando demais para sair dali, mas um misto de curiosidade e ansiedade fizera com que ela continuasse naquele apartamento, que a pouco tempo lhe era completamente desconhecido - imóvel - esperando que ele viesse até ela e a beija-se enquanto insistia pra que ela ficasse um pouco mais.
   Ficou por volta de três minutos fantasiando essa cena ridícula, pensando em vários detalhes mórbidos sobre um possível diálogo que eles teriam enquanto estivessem tomando café da manhã no qual ela lhe perguntaria sobre as suas preferências literárias e fingiria surpresa quando ele dissesse que gostava de todos os escritores malditos. Chacoalhou a cabeça, tentando afastar aquelas bobagens e saiu deixando a porta aberta.

Continua.

2 comentários: